Colatina, 24 de dezembro de 2015
A TRAGÉDIA AMBIENTAL E SOCIAL DA SAMARCO
A Diocese de Colatina, por acreditar no DEUS DA VIDA e por estar sempre a favor da VIDA, vem a público manifestar sua indignação e perplexidade para com a tragédia ambiental provocada pela SAMARCO, no dia 5 de novembro de 2015, no município de Mariana (MG). Essa catástrofe afetou todos os seres viventes ao longo da bacia do Rio Doce e também na região litorânea do Espírito Santo. Trata-se de uma tragédia sem precedentes no país. O rejeito tóxico promoveu uma verdadeira devastação, com a morte de pessoas e também da fauna e da flora. Além dos prejuízos materiais, agricultores, indígenas, ribeirinhos e pescadores sofreram também danos culturais e sociais que atingiram suas almas.
O rompimento da barragem com rejeitos da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP, é o maior desastre do gênero na história mundial. Considerando o volume de lama vazado (50 a 60 milhões de metros cúbicos), o percurso atingido (mais de 600 km), a mortandade de peixes (11 mil toneladas contabilizados até o momento) e um prejuízo preliminarmente calculado em 20 bilhões de reais, não há evento de maior gravidade registrado em 100 anos de mineração no planeta.
Essa tragédia ambiental nos causa indignação por três fatores:
1º – A Samarco utilizou o modelo mais econômico de barragem, sendo que há técnicas mais seguras de construção.
2º – O poder público permitiu a construção e não supervisionou a utilização dessa barragem.
3º – As prefeituras dos 39 municípios atingidos, sendo 36 de Minas Gerais e 3 do Espírito Santo, não entraram com ação judicial conjunta até o momento contra a Samarco.
Diante dessas considerações, estamos convictos de que, ao fazer opção por esse modelo de barragem, a Samarco assumiu a responsabilidade por essa tragédia ambiental, bem como atribuímos responsabilidade aos órgãos fiscalizadores por sua negligência.
Tal acontecimento nos faz lembrar o discurso do beato Paulo VI, em 1970: “Os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento econômico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem.” Por isso, nos perguntamos: Será que tudo aquilo que podemos fazer é aceitável ética e moralmente?
A Carta da Terra, divulgada no ano 2000, afirma que o meio ambiente global, com seus recursos finitos, é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, da diversidade e da beleza da Terra é um dever sagrado. O documento diz também que é preciso aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de impedir o dano causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas. O ser humano precisa assumir que o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder implica responsabilidade na promoção do bem comum.
A Samarco é um exemplo do atual modelo de desenvolvimento que vem degradando a natureza e que, por isso, é totalmente insustentável.
O descaso do Poder Público e a ambição desmedida de lucro da mineradora Samarco foram responsáveis pelos danos irreparáveis ao meio ambiente que, por certo, levará anos ou talvez décadas para se recuperar. Isso sem menosprezar o fato de que vidas humanas foram ceifadas, famílias se desestruturaram, histórias foram interrompidas, sonhos foram destruídos. E nada disso será resgatado! Nem vultosas indenizações financeiras, nem os valores irrisórios propostos pela Samarco pagarão o trauma sofrido por essas pessoas.
O Papa Francisco nos recorda, na Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja), 36, que “O cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que se estenda para além do imediato, porque, quando se busca apenas um ganho econômico rápido e fácil, já ninguém se importa realmente com a sua preservação. Mas o custo dos danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo maior do que o benefício econômico que se possa obter. No caso da perda ou dano grave dalgumas espécies, fala-se de valores que excedem todo e qualquer cálculo. Por isso, podemos ser testemunhas mudas de gravíssimas desigualdades, quando se pretende obter benefícios significativos, fazendo pagar ao resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos custos da degradação ambiental”.
A partir dessa compreensão, exigimos da Samarco:
1 – Um plano emergencial de reparação e de indenização (com plena participação dos atingidos), contemplando uma verba de manutenção para os pescadores e trabalhadores rurais que tiveram suas atividades afetadas ou inviabilizadas por esta catástrofe;
2 – Cadastramento das famílias atingidas feito com a participação das lideranças comunitárias dos municípios impactados por essa tragédia;
3 – Plano de revitalização e de recuperação da bacia do Rio Doce, com ampla participação dos atingidos e ribeirinhos, minucioso diagnóstico da situação, construção de propostas e implementação de ações até a definitiva reparação;
Exigimos que os governos federal e estadual atuem, de maneira incisiva, junto ao Congresso Nacional para que os projetos que alteram a legislação ambiental e o marco regulatório da mineração não coloquem o lucro e a produtividade acima da vida, pois esses dois fatores acabam agilizando e facilitando os processos de licenciamento ambiental para a extração do minério de ferro.
Convocamos você, cidadão, a um maior envolvimento e atuação nos comitês e fóruns de discussões sobre os termos acima refletidos. A ideia é que essa manifestação se repita até 2025, a fim de que o problema não seja esquecido pela sociedade, pelo poder público e pelos responsáveis.
Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias
Bispo da Diocese de Colatina