Disponibilizamos, a seguir, um artigo escrito pelo padre Irineu Claudino Sales para o Programa de Pós-Graduação em Missiologia, cursado por ele no Instituto São Tomás de Aquino.
INSTITUTO SÃO TOMÁS DE AQUINO
FACULDADE DOS RELIGIOSOS DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MISSIOLOGIA
ALUNO: Pe. Irineu Claudino Sales
RELATO: O lucro não vale a vida
Passarei a relatar sobre a oportunidade que tive de visitar o acampamento “Pátria Livre” e o local afetado pelo rompimento das barragens de rejeito de mineração em Brumadinho – MG. Foram experiências de vivência missionária orientadas pelo professor Frei Gilvander no curso de pós graduação no dia treze de julho de dois mil e dezenove.
No acampamento “Pátria Livre”, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, onde vivem centenas de famílias no local de propriedade de um grande empresário chamado Eike Batista, conversamos com lideranças do acampamento. Na conversa ficaram claros os objetivos de todos os trabalhadores que ali estão acampados lutando pelo direito a moradia digna, de ter um local para trabalhar a terra fazendo-a cumprir seu papel social, tirar seu próprio sustento com dignidade.
Dentro do acampamento existe uma extensão da Escola Estadual Elizabete Teixeira, que atende cerca de cento e oitenta e cinco crianças, tendo também uma sala de educação infantil. No quesito saúde não dispõe de uma unidade de saúde, mas estão sendo atendidos quando necessário na unidade de saúde da cidade de São Joaquim de Bicas – MG. A vida no acampamento tem sido precária no sentido de direitos básicos de moradia, saneamento básico, saúde, educação, acesso à água potável, no entanto é notório no rosto das lideranças o desejo de lutar e perseverar pelo direito a terra. Depois da tragédia da barragem de rejeitos em Brumadinho-MG tudo ficou ainda mais difícil, pois impediu o acesso à água potável, aos peixes, etc.
O acampamento “Pátria Livre” está organizado de acordo com o modo operacional do MST, divididas as atribuições entre várias lideranças com funções diferentes, sendo que foi alegado prevalecer dentro do acampamento o sentimento de acolhida aos “companheiros (as)” e o respeito e tolerância às diferenças, sejam quais forem, inclusive no aspecto das diferentes denominações religiosas.
Seguindo o caminho de nossa experiência missionária chegamos então ao memorial das vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho-MG, no letreiro de boas vindas da cidade de modo permanente tem sido recordada esta grande tragédia/crime anunciada, a cada dia vinte e cinco de cada mês tem sido feita uma manifestação por justiça pelas vidas humanas-animais-biológicas brutalmente assassinadas.
Fomos recebidos pela colaboradora da Arquidiocese de Belo Horizonte, Marina, uma jovem moradora da localidade, que com propriedade nos passou informações acertadas sobre a proporção da tragédia como alguém que a viveu e sentiu na pele as perdas e danos causados. Realizamos um breve momento de mística ao recordarmos as vítimas que ainda não tiveram o direito de ser sepultadas e que seguem desaparecidas na imensidão de lama tóxica.
Nossa próxima parada foi no Córrego do Feijão, donde seguimos em procissão até o local atingido pela lama de rejeitos, durante todo o tempo que permanecemos na área dos rejeitos fomos observados pelos funcionários da empresa que queriam nos retirar do local. A sensação de estar ali, diante daquela imensidão de lama, que ceifou a VIDA em suas mais diversas manifestações e que seguiu afetando milhares de vidas ao longo do rio que envenenado espalhou o rastro de morte que nem tão cedo conseguiremos reverter, foi uma sensação de grande tristeza e impotência.
Dali, partimos para um bate papo com representantes de grupos que estão atuando no auxilio do povo de Brumadinho, eram militantes do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, um advogado popular, uma professora especialista em arqueologia, e nós alunos do ISTA. Na conversa frei Gilvander frisou, dentre tantas coisas, que não basta ser solidário, que é preciso lutar por justiça para ser verdadeiro discípulo de Jesus. Foram relatados pelos presentes detalhes das experiências pós tragédia/crime, o sofrimento do povo, a destruição da natureza, a poluição da água, foi afirmado várias vezes que foi CRIME o que a Mineradora VALE cometeu. Uma empresa que em conluio com o Estado não prioriza a vida humana, mas somente o lucro resultante de um sistema predatório que é o capitalismo.
A jovem representante da Arquidiocese de Belo Horizonte fez um depoimento emocionante, cheio de verdades, revoltas e desejo de justiça e reparação. Faço registro de algumas falas da jovem que me marcaram: “Tudo o que a VALE faz e fez é insuficiente”, “Quem perdoa é Deus, a mim só cabe trabalhar para que isso não se repita”, “Tentaram nos enterrar, mas esqueceram que somos sementes”.
O papa Francisco tem nos conclamado sempre a sermos uma “Igreja em saída”, que saiba contemplar o rosto de Cristo nos sofredores deste mundo, nos convocando para uma conversão pastoral e ecológica que seja capaz de nos colocar no caminho da utopia que nos move a criar o Reino de Paz e Justiça no aqui agora de nossas vidas. Ao fazer contato com o acampamento “Pátria Livre” com seu justo desejo por reforma agrária, e ao visualizar as imensas dimensões da tragédia do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho – MG com suas duzentas e setenta e duas vítimas percebemos no sofrimento humano destas pessoas o clamor por justiça, ou por misericórdia aquilo que esta para além da justiça.
Movidos pela fé cristã não podemos compactuar com tamanhas atrocidades, cabe a cada um de nós como lideranças cristãos trabalhar pela formação da consciência crítica de nossas comunidades, empoderá-las de seu direitos, para que não se contentem com as migalhas e busquem conquistar aquilo que lhe é devido. Que sejamos a voz daqueles que ainda não tem voz, mas trabalhando para que todos tenham voz, para que eles mesmos falem por si. Pois, o lucro não vale a vida.