Você conhece a história dos povos indígenas que habitam o município de Aracruz? Confira, a seguir, o artigo de Tiago Barros dos Santos, membros da Pastoral Indigenista da Diocese de Colatina, em que ele reflete sobre as origens indígenas no território e a luta desses povos pelos seus direitos.
Comunidades indígenas – Pastoral Indigenista
Autor: Tiago Barros dos Santos
As comunidades indígenas do Espírito Santo estão localizadas na Paróquia Imaculada Conceição, de Coqueiral, no município de Aracruz, que compõe a Diocese de Colatina. São representadas por duas etnias: os Tupiniquim e os Guarani. Essas comunidades estão divididas atualmente em 12 aldeias, sendo cinco Guarani e sete Tupiniquim. As comunidades indígenas tupiniquim e guarani de Aracruz reconhecem e agradecem à Igreja Católica por sua importante atuação no processo de luta e retomada do nosso território, através do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Pastoral Indigenista, à época conduzida pela dedicação e comprometimento incondicionais com a causa indígena das Irmãs Missionárias Combonianas.
A Pastoral Indigenista atuou junto às comunidades indígenas no apoio e incentivo à organização social e política, em busca da garantia de acesso aos seus direitos enquanto cidadãos e povos originários. Atuou diretamente na luta pela educação diferenciada indígena, no âmbito da formação de professores indígenas nas aldeias e no desenvolvimento de projetos buscando a melhoria na qualidade de vida das suas comunidades, como projetos de agricultura, construção de moradias e centros comunitários.
Para expressar o que foi a presença das irmãs combonianas junto às comunidades indígenas, trazemos o parágrafo quatro do Documento de Aparecida quando diz que
O Evangelho chegou a nossas terras em meio a um dramático e desigual encontro de povos e culturas. As ‘sementes do Verbo’ presentes nas culturas autóctones, facilitaram a nossos irmãos indígenas encontrarem no Evangelho respostas vitais às suas aspirações mais profundas: ‘Cristo era o Salvador que esperavam silenciosamente’. (DA. 4)
Se no princípio da evangelização desta terra a Igreja experimentou sombra com sua presença junto aos povos indígenas, a fidelidade ao Evangelho concretizada pelo trabalho das irmãs combonianas trouxe uma experiência de luz para as comunidades indígenas de Aracruz.
O território Tupiniquim e Guarani – mais especificamente, estamos falando de três terras indígenas demarcadas e homologadas que somam 18.287 hectares e abrigam cerca de 760 famílias – assim como todo o território americano, foram submetidos a um cenário de fragmentação florestal imposto pela colonização desde o século XVI. Essa transformação sofrida pelos territórios tradicionais provocam uma significativa alteração na relação que os povos originários estabelecem com esses territórios e seus elementos. Afeta drasticamente a sua cosmovisão e consequentemente seu modo de vida. No território indígena de Aracruz, essa transformação se acentuou a partir da atividade florestal com cultivo de eucalipto que está há mais de quarenta anos instalada na região e que substituiu a vegetação originária pela monocultura do eucalipto, colocando em risco de extinção várias espécies nativas.
Se considerarmos as consequências oriundas dos processos de colonização para os povos e comunidades tradicionais que ocupam, não só o território brasileiro, mas todo o continente americano, podemos perceber o quanto a tradição ocidental colonialista propiciou uma deturpação das relações que os povos tradicionais mantinham, principalmente com o território, baseadas na tradição originária. Por exemplo, quando recordamos que os Tupiniquim de Aracruz se autodenominam filhos da terra, essa autodeterminação reflete uma forma de relação com o território ao qual pertencem. Dizer que são filhos significa dizer que o território exerce uma função protetora, a relação pressupõe respeito com ciclos, espaços e elementos que constituem esse ser maternal/paternal do qual os povos são mais um elemento. Há tempo para tudo, é preciso esperar a lua certa para cortar uma madeira e isso muda dependendo da utilização dessa madeira, se para construir uma casa, um remo ou uma casaca. Nesse sentido, não é o território que pertence aos povos, mas os povos que pertencem ao território. Diferentemente da relação estabelecida pela tradição eurocêntrica que entende o território e seus elementos como propriedades pertencentes ao sujeito ocidentalizado, colonizado, racionalizado, sintetizado.
No Brasil, os povos indígenas são “homenageados” no dia 19 de abril, que é considerado o “Dia do Índio”. Para muitos, desde que se instituiu, esta é uma data em que as pessoas e instituições dedicam a homenagear as populações indígenas e muitas vezes fazem isso de forma equivocada e acabam reforçando estereótipos caricatos que habitam o imaginário da maioria da população sobre o que elas pensam do indígena brasileiro. É preciso descontruir o dia do índio. O termo “índio” já é uma forma equivocada de se referir às populações indígenas. Ele traz em si toda a carga de preconceitos e negações que foram infligidos desde os princípios da colonização sobre a diversidade de povos e culturas que habitam essas terras, numa tentativa de reduzir toda essa diversidade a um conceito genérico. Não são índios, são povos indígenas, povos originários. Por isso, já há alguns anos, as populações e organizações indígenas vêm convidando a população brasileira a uma reflexão mais ampla sobre o que se deve celebrar, não só no dia 19, mas em todo o mês de abril.
Então no mês de abril, os povos originários celebram a sua resistência e reafirmam suas lutas por direitos constitucionalmente garantidos e historicamente negados. Direito a territórios, a reconhecimento de especificidades de políticas públicas e direito a processos naturais de desenvolvimento cultural inerentes ao ser humano. Pois um dos preconceitos mais comuns que sofrem, que resulta da legitimação de estereótipos, é o de serem considerados seres estáticos, sem direito a desenvolvimento cultural. Como se sua identidade originária se dissolvesse a partir do momento em que se apropriam e participam dos processos de desenvolvimento das sociedades nas quais estão inseridos. É o que acontece quando se ouve dizer por exemplo que índio não pode usar celular, não pode ter acesso à internet, entre outros.
Diante disso, podemos perceber a necessidade de se considerar perspectivas outras como alternativas para vários problemas resultantes da forma como fomos acostumados a nos relacionar com o meio ao qual pertencemos e podemos atribuir sua origem à raiz da ciência ocidental. Mais que resgatar e preservar os saberes e modos de vida dos povos originários, é necessário considerá-los alternativas para sociedades que buscam uma relação sustentável com o meio e seus elementos.
Referência
DOCUMENTO DE APARECIDA: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Edições CNBB, Paulinas, Paulus, 2007.