Artigo escrito pelo professor Edebrande Cavalieri
Aconteceu entre os dias 13 a 15 de outubro desse ano o 12º Encontro das CEBs do Regional Leste 3 da CNBB, envolvendo as quatro dioceses do Estado do Espírito Santo na cidade de Colatina, tendo como tema “CEBs: Igreja em saída na busca de vida plena para todos e todas”. O lema que guiou esse encontro foi extraído da Sagrada Escritura (Is 65, 17): “Vejam! Eu vou criar um novo céu e uma nova terra”. Grande sinal de esperança a nos guiar! Esse encontro representa as 3.472 comunidades do Espírito Santo, tendo as mulheres papel determinante em sua condução que com sua feminilidade e sensibilidade potencializam e fazem da Igreja lugar de gerar vida.
O que é uma Comunidade Eclesial de Base? São pequenos grupos que se organizam em torno de uma paróquia nas cidades ou nas capelinhas no meio rural, por iniciativa de leigos e leigas, padres, bispos. Elas possuem natureza religiosa e caráter pastoral, porém sempre organizadas como pequenos grupos de pessoas. Decorre dessa organização três forças: elas formam as pessoas, elas sustentam as pessoas e elas abrem o ambiente. A centralidade de cada comunidade está na escuta da Palavra de Deus e em sua vivência. Em tempos sinodais de hoje diríamos que elas alargam as tendas para que todos possam participar.
Uma definição que costumamos usar é de caracterizar as CEBs como “um novo e antigo jeito (modo) de ser Igreja” e “de toda a Igreja ser”. Entre nós, seu desabrochar com força se deu nos anos de 1960 com os novos ventos que vinham do Concílio Vaticano II. Contudo, sua presença está marcada desde os tempos apostólicos. Como?
Quando os apóstolos partiram em missão evangelizando as terras para além do mundo da Palestina e do Império Romano, sua preocupação primeira não foi olhar para si e lamentar que eram muito poucos diante dos desafios que estavam encontrando pelos caminhos. Sua primeira preocupação não foi aumentar o número com novos apóstolos. Em cada lugar que chegavam, logo iam organizando uma pequena comunidade de pessoas, e colocando à frente da mesma um responsável, homem ou mulher, que ficou conhecido como diácono, diaconisa ou presbítero.
Cada comunidade formada continuava sua vida cristã formando-se, lendo as Escrituras, partilhando o pão, celebrando com festas, repartindo seus bens com os mais necessitados. Foi assim que iniciou o caminho das primeiras comunidades cristãs. Por isso, dizemos que as CEBs são “um novo e antigo jeito de ser Igreja”.
Na celebração final do 12º Encontro de CEBs, Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa nos lembrava em cada momento da homilia que “a Igreja é para todos e todas, em busca de vida plena para todos e todas”. E pedia para cantarmos: “Irá chegar um novo dia, uma nova terra, um novo mar”. Vida plena para todos e todas. E completava: “É preciso mudarmos de paradigma e nos inserirmos na perspectiva de uma ecologia integral, formando gente nova, sustentando as pessoas na caminhada de maneira sinodal, alargando a tenda para caberem todos”.
Cada comunidade cristã torna-se comprometida com o alargamento das tendas para que caibam todos. Dom Lauro fez questão de registrar de maneira veemente: “Entre nós, nesta celebração, temos a presença dos povos originários. Não podemos esconder vocês”! O grito da terra e as lágrimas secas dos rios são também o grito e as lágrimas desses povos. E foi listando os grupos que não podem ser esquecidos ou escondidos: negros e negras, quilombolas, migrantes, imigrantes, crianças, idosos, professores, pobres, moradores em situação de rua, os jovens, as mulheres (…). Assim se constrói uma fraternidade cristã. “Todos somos amados por Deus”.
As CEBs possuem uma experiência religiosa profunda educando todos nas orações, nas rezas do rosário, nas vigílias, nas adorações, nas procissões, nas peregrinações e romarias. Assim rezam, cantam, comemoram, e assumem como centralidade a leitura da Bíblia em pequenos grupos ou círculos (bíblicos) discutindo à luz de sua própria experiência de vida. Era assim que as comunidades formadas pelos apóstolos caminhavam na fé. Dessa forma, as CEBs são um instrumento de evangelização e de promoção da pessoa humana.
Em nossa história, essa experiência de fé trouxe para a pauta as demandas de cada grupo, de cada rua, de cada rocinha. Isso passou a incomodar muita gente, pois com essa formação as pessoas começaram a exigir dos poderes públicos o direito à moradia, à luz elétrica, ao cuidado com esgoto nas cidades, à água potável, ao direito à terra. As comunidades tornaram-se escolas de lideranças políticas atuantes nos diversos conselhos, nas associações de moradores, nos partidos, nos sindicatos, nas câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas e nos espaços do poder executivo. Foram as comunidades que fortaleceram a luta pelo bem comum, o bem de todos e todas, o incremento de políticas públicas.
A história das CEBs nos mostra que sua vocação fundamental é de serem proféticas, o que não significa capacidade de predizer o futuro, mas função de “edificar, exortar, consolar, denunciar”. Para isso, é preciso que cada líder comunitário não reduza a si o ser próprio da comunidade, como uma autorreferencialidade, como se fosse o dono da comunidade. O critério da profecia colocado por São Paulo sempre deveria ser exercido em benefício da comunidade. Nesse aspecto, Dom Lauro ainda na homilia da celebração de encerramento do encontro nos alertou: “Se cada um ficar cuidando dos seus negócios, das suas terras, do seu quadrado, não teremos vida plena para todos e todas. Teremos, sim, apropriação indevida do que Deus deu para todos nós”.
Por fim, da escuta dos grupos de trabalho do encontro e da análise do assessor que nos acompanhou em todos os momentos destacam-se alguns desafios decorrentes da realidade atual: necessidade de formação política e religiosa; resgate do trabalho de base nas comunidades; organização de equipes de educação popular; união entre fé e vida; o cuidado da casa comum; o ser Igreja em saída para as periferias sociais, culturais, geográficas e existenciais; a luta pela transformação social; o fortalecimento da eclesialidade em todos os níveis; incremento do modelo de caminhada sinodal.
Um registro forte e marcante foi a presença da imagem de Nossa Senhora da Penha trazida de Vitória, recebida pelos participantes no pátio da Paróquia Divino Espírito Santo (Colatina) e permanecendo presente em todo o tempo do encontro. A caminhada realizada no domingo da Praça do Sol Poente, passando pela Ponte Florentino Avidos até o Ginásio Castelão, seguindo os passos de Maria, representou de maneira viva a caminhada do povo de Deus, peregrino, em busca de novo céu e nova terra. Nossa Senhora é central nas devoções religiosas de nosso povo, e nas CEBs é expressão do acolhimento, do carinho, da ternura, da mãe que acolhe todos os seus filhos e filhas.
Seguindo as trilhas do Papa Francisco, por ocasião do XV Intereclesial ocorrido nos dias 18 a 22 de julho desse ano, em Rondonópolis (MT) em sua mensagem dirigida especialmente a esse evento, nos diz: “Sejam Igreja em saída e nunca escondida”. E que as CEBs possam “trazer aos desafios do mundo urbano e rural um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja”.