Contudo, há resistência, há luta, há razão, há esperança, como o CIMI e a ação articulada com entidades civis
Autor: Ricardo Hermeto (jornalista e colaborador da Pastoral Indigenista)
O título deste artigo insinua um lugar comum só de dor na jornada da civilização brasileira em relação aos povos originários. Só que no meio desse caminho histórico existe consciência, trabalho e bandeiras que teimam em abrir cenários diferentes de resistência pela defesa e direito dos índios. E não é de hoje que essa rede de apoio e proteção se coloca a serviço da vida dos povos indígenas contra os mais distintos e covardes ataques do sistema como um todo, utilizando até da ignorância popular para patrocinar atrocidades.
De 9 e 11 de agosto, em Ibiraçu, na terra capixaba, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reuniu seus operadores para reforçar o trabalho missionário de respeito à cultura e à causa indígena em 50 anos de empenho no Brasil e 44 anos da Regional Leste, que une a ação nos estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Marcos importantes para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que soube resistir aos ataques e incompreensão por incomodar a muita gente.
Vivo, o Cimi se mostra engajado e faz revelar um interesse maior pelos povos indígenas. A missão do Cimi é animar e articular a presença missionária junto aos povos originários. Mas, em se tratando de um país que se move num atoleiro de crises (política, social e econômica), o panorama do trabalho da Pastoral Indigenista tem sido uma luta de “Davi contra Golias”. Em Ibiraçu, o secretário geral do Cimi, Antônio Eduardo, fez um breve relato do cenário político-indigenista vivido no Brasil em 2021 e 2022. “Enquanto a Covid-19 já vitimou mais de 680 mil vidas de brasileiros, entre os mortos foram mais de 1.300 indígenas, sendo mais de 72 mil índios infectados. No período, aumentou a fome e a miséria nas áreas indígenas”, disse.
Antonio Eduardo ressaltou ainda a grave crise política, econômica e social do Brasil. “São mais de 12 milhões de desempregados, retorno do país ao Mapa da Fome (ONU), mais de 33 milhões de pessoas sem ter o que comer, 58,7% de toda população brasileira convive com insegurança alimentar em algum grau, levando o Brasil a uma regressão ao patamar equivalente ao da década de 1990, dados com base na pesquisa da Rede Pensson, de junho de 2022”.
Quanto ao cenário político-indigenista, no mesmo período, o secretário geral do Cimi apontou a desestruturação do Estado e das políticas públicas. “Permanece o agravamento das violações de direitos humanos dos povos indígenas, principalmente no que se refere à regularização dos seus territórios, mediante alianças do governo com o ‘Centrão’, agronegócio, políticos, empresários de mineração e outros interessados nos territórios indígenas”. Lembrou ainda dos ataques constantes de setores anti-indígenas aliados nos três poderes do Estado brasileiro, o avanço das legislações anti-indígenas, o desmonte das políticas públicas, dos orçamentos e dos órgãos de fiscalização e proteção aos territórios indígenas e ao meio ambiente, como a omissão, a desassistência e a falta de diálogo do atual governo.
Denunciou ainda a violência contra povos indígenas, sendo intensificada ainda mais nos últimos dois anos via expropriações de terras, forjadas na invasão, na grilagem e no loteamento, de forma rápida e agressiva contra os povos originários em todo o território nacional. “Verificam-se graves situações de violações em territórios já regularizados, principalmente Yanomami, Vale do Javari, Munduruku, Kayapó, Xavante, Guarani-Kaiowá, Guajajara, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna”.
E justificou: “O presidente da República, junto com seus ministros e aliados de plantão, permanece unido aos setores do garimpo e do agronegócio para apoiar as invasões e articular ações do Executivo e medidas legislativas contra os povos indígenas. Aliados do ‘Centrão’ e com ataques frequentes ao Judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro avança com seus projetos de morte e retrocesso civilizacional”.
Antonio Eduardo citou o Projeto de Lei (PL 191), que visa a regulamentar a pesquisa e a exploração de recursos naturais, o garimpo, a extração de hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas; a PEC 215 e o PL 490, que visam a mudar totalmente os artigos constitucionais que concebem os direitos dos povos indígenas no Brasil; a Fundação Nacional do Índio (Funai), completamente desconfigurada de sua missão institucional de defesa dos povos indígenas e seus territórios, com desempenho repugnante e antagônico do seu papel (Instruções Normativas e Resoluções); e ainda, no Judiciário, onde tramita o Recurso Extraordinário 1.017.365, que julga a tese do “Marco Temporal”, que garante os territórios indígenas como direito originário.
Espírito Santo reforça a esperança
Essa 39° Assembleia do Cimi Regional Leste acolheu um grande alento para a luta dos povos indígenas Tupiniquim e Guarani, que no Espírito Santo compõem 12 aldeias, no município de Aracruz. A presença do bispo da Diocese de Colatina, dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, foi vista como a força necessária a se somar ao protagonismo, ao respeito e à mística missionária que norteia o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico, princípios fundamentais da ação do Cimi.
Dom Lauro Versiani, ao longo dos três dias de trabalho, conquistou os presentes com uma novidade: a articulação da Pastoral Indigenista em sua diocese, coordenada pelo padre Suderlan Tozo Binda. “Muita alegria em acolher a Assembleia do Cimi. Desde minha posse, em 2 de fevereiro deste ano, agradeci a todos pela presença, mas elegi os povos indígenas e beijei os pés de uma liderança indígena, num gesto de Jesus Cristo, que repercutiu aqui e no mundo. Reafirmei que o direito indígena precede o Estado brasileiro e lembrei de São José de Anchieta, apóstolo do Brasil, em sua luta pelos povos originários”.
Feliz com o momento, o bispo anunciou também a criação da Comissão de Justiça e Paz da Diocese de Colatina. Depois, embasou a decisão do surgimento da preferência pelos povos no marco da vida da Igreja Católica: o Concílio do Vaticano II, em 1961, pelo Papa João XXIII. Deu destaque à Conferência Episcopal de Medelin e de Puebla (Santo Domingos), na América Latina, e à Conferência de Aparecida, que considera uma benção. De lá para cá, a Igreja atuou em prol da evangelização e da promoção humana e da juventude, de se colocar como a casa dos pobres, ser missionária e com perspectiva sistêmica de se dirigir a todas as pessoas de boa vontade.
Assim, dom Lauro ligou o Concilio Vaticano II à renovação eclesial patrocinada até aqui, o que considera um processo importante. “A Igreja Católica não está fora do mundo, vive suas contradições. A Igreja caminha numa direção boa, basta olhar a sequência de papas: João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Papa Francisco. Não podemos perder a oportunidade de continuar caminhando, afinal a luta não é fácil”.
Registro
Participantes da 39° Assembleia do Cimi Regional Leste:
Haroldo Heleno (coordenador do CIMI Regional Leste)
Cacique Jonas (Aldeia Areal)
Antônio Carlos Pinto dos Santos (presidente da Associação dos Índios Tupiniquim e Guarani)
Padre Suderlan Tozo Binda
Padre Marinaldo Serafim
Frei Franklin Drumond
Antônio Eduardo
Maria di Carmo
Fábio Lopes
Domingos Alves de Andrade
Maria Rosária Ribeiro Schaper
Bruno Marcos de Jesus Luiz
Janaina Nunes da Silva
Jenário Alves de Souza
Marta Mamédio
Nilton Santos
Maria Elena Barros dos Santos
Rory Wesley
Letícia de Magalhães
Jonas do Rosário
Ricardo Hermeto Coelho
Charles Silveira
Alda Maria
Daiane Nascimento
Convidados:
Tânia Silveira
Paulo Henriqure (coordenador geral Apoinme)